E lá se vão sete anos da época que o véu de mocinho ético do PT caiu por terra. Você, caro leitor, deve se lembrar de como foram aqueles meses intensos de escândalos, CPIs e investigações do Mensalão. Acho que nunca existiu uma crise política tão intensa quanto aquela. Era como se o brasileiro tivesse passado a gostar de política! Parecia final de Copa do Mundo. Lembro que na lotação que pegava até o trabalho o motorista dirigia ouvindo a CPI ao vivo na rádio; e olha que o gosto musical dele era de Calipso pra baixo.
Na época eu trabalhava na Máquina da Notícia, uma das maiores assessorias de imprensa do país. Dito assim, cruamente, pode parecer grande coisa. Mas não é. Eu estava lá fazendo clipping, um servicinho sem qualquer glamour ou “grande coisa”.
Para quem não sabe, clipping é o ofício de picotar jornais em busca do nome dos assessorados. É o mais baixo grau da escala de trabalho de um jornalista, mas eu era um estagiário duro de uma universidade particular ruim e conseguir aquele emprego era minha maior conquista até então.
Entrava às 4 da manhã na avenida paulista. Chegava junto com a pilha de jornais que vinham dos mais variados cantos do país (e do mundo). A equipe do departamento de clipping era grande, deviam ter uns 15 ou 20 clipadores, todos estagiários. Cada um lia uma média de 4 ou 5 jornais por dia e tudo tinha que estar pronto antes das nove da manhã, pois esse horário a notícia tinha que estar em outro setor da máquina. As esteiras da notícias não podem parar!
Éramos jovens de classe média de universidades variadas todos juntos numa sala praticamente sem “chefes” ou “superiores”, pois nenhum “chefe” ou “superior” que se preze chega às 4 da manhã em algum lugar. Essa combinação de jovens e ausência de superiores me proporcionou uma das experiências mais divertidas num ambiente de trabalho que já tive na vida.
Era só curtição! Gente animada, engraçada, garotas bonitas, piadas, paquera, azaração e, eventualmente, jornais. Pois é, os jornais estavam lá. Era nossa obrigação principal, mas eram apenas meros coadjuvantes. Tinham os mais comprometidos e os mais desleixados, mas é óbvio que ninguém lia como deveria ler. Clovis Rossi, Merval Pereira, Janio de Freitas, Mirian Leitão, piffff, que nada! O negócio era José Simão, os quadrinhos e, principalmente: o horóscopo. Ah, o horóscopo era o momento alto do dia. Todo mundo parava e ouvia o gaiato da vez ler em voz alta todos os doze signos do zodíaco.
Mas tudo isso foi pré-mensalão. O PT ainda era um bom partido e eu ainda era um clipador. Em questão de dias, tudo mudou.
Fui chamado por um dos figurões da Máquina. Ele disse que a empresa tinha recém conquistado uma conta importante e perguntou se eu queria assumir uma vaga no Termômetro. Era meio que uma promoção. O salário era o mesmo, mas eu não teria que acordar mais às quatro da manhã.
Conhecido como o Núcleo de Inteligência da Informação, o Termômetro era um boletim de análise de mídia feito em cima das notícias separadas no clipping. Pra mim era uma ótima oportunidade, principalmente porque o Termômetro era visto com bons olhos pelas garotas do clipping. Ir pra lá significava um aumento considerável nas chances de “me dar bem” com alguma delas. Sim, eu aprenderia mais um monte de outras coisas também, mas isso era menos importante.
O tal cliente que havia me possibilitado a ida até o termômetro era justamente o Partido dos Trabalhadores, o PT.
Obviamente eu não fazia a analise editorial do PT sozinho, era um dos estagiários que assinavam o boletim junto com outros jornalistas mais experientes.
No primeiro dia da nova função, aparentemente tudo ok. Nada de muito promissor na imprensa naquele dia. Uma citação aqui, outra acolá, mas nada que comprometesse ou merecesse um alerta no boletim.
O primeiro dia do PT como assessorado da Máquina da Notícia teria sido tranquilo, não fosse aquele o dia 6 de junho de 2005, mais conhecido como o dia em que Roberto Jefferson deu a entrevista bomba para a jornalista Renata Lo Prete na Folha de S. Paulo.
Lembro de ver alguns figurões andando desesperados pela redação da assessoria folheando páginas de jornal, suando frio pela testa. Já tinha dado minha hora, o termômetro já estava na caixa de entrada dos assessores de imprensa e dos dirigentes do partido fazia algumas horas, eu já poderia ter ido embora, mas estava ali tentando a sorte com as garotas do clipping. De pé, com a mochila nas costas, percebi que tinha alguma coisa errada.
“Aqui, como você não viu isso? Tá maluco! Como perdeu essa notícia?”, gritava um alto figurão que raramente aparecia por ali.
O erro veio do clipping e afetou toda a cadeia de produção da Máquina. A notícia não foi pro clipping e não saiu no termômetro, os assessores de imprensa estavam desinformados e os dirigentes do partido foram pegos de calças curtas.
Aquele foi um dia atípico, com tensão no ar e demissões. O noticiário dos dias seguintes também estava confuso, ministros batendo cabeça, declarações desarticuladas e problemas de comunicação que resultaram na potencialização do escândalo. Gosto de imaginar o enorme efeito dominó que um erro na linha de produção fordista da “máquina” causou. Será que poderia ser tudo diferente? Com assessores e dirigentes mais preparados e o escândalo sendo abafado logo no seu início?
No mesmo dia a Máquina perdeu a conta do PT. Por sorte eu continuei no termômetro, trabalhando para outros clientes.
Diferente do clipping, no termômetro a gente lia as notícias. Posso dizer que foi lá que aprendi a ler jornal e isso foi importantíssimo pra minha carreira. Não me dei bem com nenhuma garota do clipping, mas tenho muito carinho e apreço por essa época especial da minha vida. Tenho ainda mais orgulho de conhecer Lucas Lopes, mais conhecido como Parrudo. Um dos sujeitos mais engraçados e bem humorados que já conheci nessa vida e que não colocou a entrevista do Roberto jefferson no clipping do dia 6 de junho de 2005 e foi demitido naquele mesmo dia. No fundo invejo um pouco o fato dele poder ostentar no currículo uma cagada que pode ter mudado para sempre a história do nosso país.
Parabéns Parrudo!!!