Outro aspecto da invisibilidade urbana é esse negócio de bichinho de estimação. Tal coisa já virou febre. No prédio que meu pai alugava apartamento, o Le Vilage, com arquitetura feita sob medidas para solteirões, gays e idosos solitários, todos os moradores tinham ou cães, ou gatos, ou os dois. Inclusive a gente, do 71.
Lully, um cão feminino de uma raça alemã de nome esquisito; aquele do comercial da Cofap. Eu poderia até olhar no Google “cachorro Cofap”, mas acho que essa busca não seria justa com a história. Nunca decorei o nome da porra da raça do cachorro, então pra que fingir que eu sei ?
Pior que a raça, só o nome: Lully, com ipissilon. Quem nomeou foi a namorada do meu pai. Confesso que achei meio homossexual: Lully? Sem preconceito, mas qual tipo de sujeito andaria por ai com uma cachorrinha chamada Lully? Eu definitivamente não era o cara que andaria por ai com uma cachorrinha chamada Lully. Mas meu pai adentrava o ramo da chantagem emocional e quando me sentia o pior dos seres humanos por não cuidar direito daquele pobre e indefeso animal, lá ia eu levar o cachorro feliz da vida pra andar no parque da Aclimação. “Ai que gracinha, que raça que é?”, perguntavam as velhas. “Não sei minha senhora, é do meu pai”. O cão lambia todo mundo.
Desprendido de qualquer juizo de valor, meu pai colocava o cachorro sobre sua barriga grande e saia com ele no colo. Ficava bravo quando chamava de cachorro, ou cão. É cachorra, é ela… Ele adorava o cachorro. Tratava como um filho. Uma vez o cão ficou doente e teve que ser hospitalizado às pressas. Dias depois, após cirurgia e recuperação, o cão apareceu em casa lambendo meu pé balançando o rabo com um esparadrapo gigante da barriga. Estranhei essa atitude dele sentir saudade e me lamber; sempre acreditei que nossa antipatia era recíproca. No fundo tomei aquilo como uma provocação direta do animal. Ele só queria mostrar que tinha um plano de saúde melhor do que o meu. Cão dos infernos…
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