No prédio tinha uma mulher, loira, bonita, meia idade, solteirona, que levava a serio essa coisa de amor incondicional pelos animais. Ela tinha uns três ou quatro cachorros e mais uns gatos. Um deles, o Spike, era um vira-latas, sujo, cheio de feridas e manco. Quando pegava o elevador junto com ela, sempre ouvia a pergunta: “Como vai a Lully?”; geralmente nesse momento lembrava que tinha esquecido de dar comida ou água para o cachorro e respondia “vai bem”, torcendo no meu íntimo pra que o cão lembrasse de procurar água na privada.
Spike ficava me olhando no elevador. Ele não tinha um olho; catarata, acho.
– Ele vai morrer, eu sinto isso, ela dizia fazendo carinho nas orelhas dele. Eu balançava a cabeça em sinal de luto, mas por dentro pensava: “É obvio que esse cão sarnento vai morrer, é só olhar pra ele, não precisa sentir nada”.
Térreo; ela saia arrastando o cachorro em direção ao parque. “Tchau, manda um beijo pra Lully, vamos Spike!”
Sempre achei uma grande abstração essa coisa maluca de animais de estimação. Onde as pessoas estão com a cabeça? Gastar fortunas para “cuidar” de bichinho? A gente não sabe nem cuidar de nós mesmo! Se nunca tivessemos tirados eles do mato eles estariam lá correndo, caçando, vivendo, se divertindo. Agora, na melhor das hipóteses, vivem em cubículos de concreto, comendo todo dia a mesma comida, usando coleiras, sendo entupidos com vermíforos e vacinas. Aí damos uma voltinha com eles no parque, fazemos um carinho e ficamos tão felizes porque nos abanam o rabinho.
Alguns até tentam fazê-los falar! E não duvido que comecem mesmo a falar qualquer dia. Costumava sair com uma garota que deixava o cachorro o dia inteiro vendo TV. Dizia que se desligasse ele ficava irritado. Irritado? Um cachorro viciado em novela? Não vou me admirar se um dia ela chegar em casa e ele estiver cantando o jingle da propaganda de creme dental.
É assim que gostamos da natureza, querendo fazer com que ela seja igual a gente, sempre adaptando conforme a nossas necessidades. Gostamos de árvores no meio de shoppings, de cascatas artificiais em mansões, de cães com gravatinhas, de macacos que tocam gaita. A gente é assim! Perdemos o contato com o natural, nos falta algo, temos carências… mas nada que um shampoo de cupuaçu e um cãozinho alegre não possam resolver.
Falou tudo, Thi! Textos auto-explicativos sobre o paradoxo dos “adoradores” de bichinhos! Beijos