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Archive for 3 de março de 2009

De alguma forma o aeroporto já é um tanto familiar. Portão de embarque número sete, Guarulhos, meia noite e cinco, o destino mais uma vez é igual. Já dá pra saber o que esperar do outro lado, não tem mais aquela sensação de inesperado, adrenalina do desconhecido, a droga dos viajantes. Vários passageiros esperam para embarcar, dá pra notar nitidamente quem é daqui e quem é de lá. Uns de manta, jaqueta, blusa; típicos moradores da terra do fogo, desacostumados com o frio de 30 graus. Já outros: camisa, gravata, sapatos; moradores da terra do batente, desacostumados a vida fora do ar condicionado. Eu, de shorts, camiseta e tênis; morador de algum lugar entre esses lugares, já acostumado a não se acostumar.

Faz mais de um ano desde a primeira viagem, em maio de 2007, quando fui só com passagem de ida pra nunca mais deixar de voltar. Desde então, Mato Grosso é meu Inferno de Dante particular, com todas suas dores e delicias. Não pretendo contar todo o desenrolar da primeira parte da trama, quem perdeu, perdeu… um dia lanço um livro com as notícias do Mato, mas por hora me dedico a esse diário, ou semanário, ou esporadicário, com informações dessa segunda, e talvez permanente, aventura.

Porem, não sei ao certo como o fazer. Sim, pois esse negócio de escrever diários na internet às vezes me parece um tanto estranho, snob, meio babaca demais. No entanto acho justo, justíssimo, escrever. Queria poder lembrar de tudo, descrever sensações, pensamentos, reler essa porcaria toda quando já tiver podre de velho só pra viver tudo de novo. Mas acho difícil pela própria limitação da palavra. A escrita é uma foto 3×4 preto e branca da realidade individual. Mesmo se esse diário tivesse 3 mil páginas não seria o bastante para descrever um segundo de sensação humana nas suas mais minuciosas percepções. Uma linha de pensamento deve valer por mil fotografias.

Como descrever, por exemplo: a viagem em sí? Poderia dizer que as aeromoças eram bonitas, o lanche uma vergonha, os assentos apertados. Mas tudo isso parece irrelevante, pois às vezes os detalhes são tão maiores. Pequenos detalhes, como, por exemplo, o da senhora ao meu lado que fez um sinal da cruz quando a aeronave decolou. Depois desse simples, módico, irrisório ato eu já não consegui prestar atenção em mais nada. Deus, vida e morte invadiram minha mente, e todo trajeto foi uma reflexão sobre a brevidade da vida. A fragilidade do homem cruzando os céus. O medo de morrer. A possibilidade de acabar sem chegar a lugar nenhum. Do que aquela senhora tinha medo? Do avião cair? De morrer? De não concluir seus planos? De ser tudo em vão?

A idade para alguns é como um fundo de investimentos. Gostam de ver os números crescerem, multiplicar, mesmo que no fim morram sem colher os dividendos. De que adianta uma vida longa, se a cada decolagem o medo te paralisa?

O avião passou por fortes turbulência. A senhora ao meu lado rezava sem parar. Eu refletia. Ela rezava, eu pensava. Enquanto ela espremia as mãos e apertava os olhos a turbulência passou.

Acho que em algum momento enterrei o medo, ou passei a cagar pra morte. Morreu, morreu! não tem que ter muito grilo com isso. Certo estão os muçulmanos, que adoram e veneram a morte. Todo ser humano deveria esperar a morte de braços abertos, sem medo. Vai saber o que não nos espera lá do outro lado, quem sabe são as tais sete virgens, ou quem sabe um plano de previdência privada. No fundo esse negócio de morrer é o único e grande mistério, e ninguém vai descobriu como funciona direito esse troço. Mas eu sei lá, pra mim, morrer não grandes-coisa, o problema é mais o que você faz da vida…

E eu estava justamente dando um jeito na minha quando as rodinhas do avião sairam do chão.

 

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