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Archive for janeiro \24\-03:00 2008

O MEDO E A FEBRE AMARELA

Quando morei em Cuiabá um amigo me convidou para jantar em sua casa junto com sua família. Ele era jornalista como eu, seu pai, um ex-sargento do exército aposentado. Seria um desses encontros surreais e improváveis caso voltássemos 30 anos no tempo; um sargento em plena época da ditadura recebendo um colega jornalista de seu filho também jornalista. No entanto ele nos recebeu bem. Conversamos um bocado, bebemos cerveja e ele contou algumas das operações de seu batalhão: “Antigamente tivemos que desmatar uma área enorme ao norte do Estado. Aquilo ali seria usado para construir cidades e dar terras ao povo do Sul; eles tinham recebido da justiça esse direito após suas fazendas invadirem terras indígenas e serem desapropriados pelo governo”. O mais incrível no seu relato foram os detalhes da operação: “Tínhamos tratores enormes, eles varriam toda floresta e abriam clareiras gigantes na mata. Éramos uma centena de homens, não havia cidades próximas, o calor era infernal, o trabalho pesado. Mas acho que o pior de tudo eram os mosquitos. Os malditos mosquitos. Naquela época a Febre Amarela e a Malária eram um problema. Todos os homens pegaram, todos sem exceção. Diariamente assistíamos centenas deles serem arrastados. Era cena de guerra, coisa de filme mesmo. Nunca vou esquecer um grande amigo que morreu, ele sentia frio, pedia pra cobri-lo, nunca tinha visto isso, um homem suar num calor de 40 graus na mata e pedir pra cobri-lo porque sentia frio. Ele me olhava com os olhos amarelos, cara abatida, pele pálida. Eu fui o único que não pegou a maldita doença. Os médicos disseram que eu tinha uma característica rara no organismo. Mas só de ver todo meu batalhão quase inteiro morrer por causa de um mosquitinho, descobri o sentido da palavra: medo.”

Algum tempo depois, de volta a São Paulo, passo em frente ao Instituto Pasteur na Avenida Paulista. Uma fila enorme de pessoas espera para tomar a vacina contra a Febre Amarela. Alguns estão assustados: já morreram cinco pessoas, dizem que é uma epidemia, dizem que é bom se vacinar, vou tomar logo duas, aliás, três, melhor prevenir do que remediar, além do mais, a vacina é de graça mesmo.

De longe fico olhando aquele monte de gente perdendo horas naquela fila ridícula. Penso naquele sargento, pai do meu amigo. Penso em como ele e seu batalhão enfrentavam a mata no Norte de Mato Grosso em uma época sem imprensa, sem liberdade, sem transparência. Hoje, mais de 30 anos depois, o alarde da nossa mídia se materializa ali, em uma fila gigante no coração financeiro de uma megalópole como São Paulo. Um lugar onde certamente o mosquito morreria de enfisema pulmonar antes de conseguir atravessar a marginal Pinheiros. O que eles estão pensando? Será que isso tudo é… medo?

A Febre Amarela é um antibiótico da natureza muito fraco pro tipo de Câncer que a gente é.

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UMA CAUSA SEM CALÇAS

Nada me irrita mais do que um comunista brasileiro. Durante muito tempo na faculdade freqüentei algumas cavernas, porões e sedes de partidos políticos onde essa quase extinta espécime se encontra. Geralmente são grupos desordeiros, sem perspectiva de vida, que esperam por uma grande revolução para depois tomar o poder e então fazer justiça com as próprias mãos.

Uma das experiências que tive nessa época foi quando tinha 19 anos e fui até a sede da Juventude Socialista. Estava pronto para me alistar nos quadros revolucionários e dar a vida pela causa; tinha justiça social em minhas veias e ódio ao capital no coração. Um jovem barbudinho me recebeu com a Folha de S. Paulo embaixo dos braços e um sanduíche de mortadela nas mãos. Ele folheava o jornal enquanto comia e conversava: “Então você quer se tornar socialista, hum sei. Nós temos alguns planos revolucionários em andamento, esta noite a gente vai sair em grupo pelas ruas pichando coisas contra a Globo. Você já viu aquela ‘Jô soares dá o cu e cheira’? pois é cara, fomos nós que criamos, não é demais?”. Foi então que o barbudinho passou por uma foto da Helen Roche no jornal: “Mano, olha isso, essa mina é muito gostosa, ela tem a bucetinha loira, eu vi na Playboy, você já viu, hein, hein, já viu?”. Ele falava e me cutucava como cotovelo.

Foi então que eu parei com essa história de comunismo e revolução. Isso nunca vai dar certo em um país onde lideres comunistas se reúnem para discutir a bucetinha loira da Helen Roche. Além do mais, tem o carnaval, o churrascão do Zé, o bar do Juca, a casa da Joana. Revolução pra que meu amigo? Ninguém quer se matar no Brasil, não.

O que o Brasil precisa é de outro tipo de revolução. Uma mais profunda, mais dolorida e bem mais complicada do que a feita por um movimento armado de causas comunistas. O Brasil precisava de uma insurreição de costumes. Somos um país que necessita ser passado a limpo, saber o que é certo, o que é errado, conhecer limites. As pessoas não enxergam a sociedade como ela deveria ser, crêem ser mais fácil derrubar o tabuleiro do que jogar o jogo. E o capitalismo é o jogo do momento, não adianta meia dúzia de tantãs quererem vir jogar damas enquanto o mundo todo aposta no xadrez.

É por isso que me incomoda ver um bando de jovens lutar por idéias impraticáveis, ao mesmo tempo que ninguém se levanta pelas praticáveis. É como um monte de cegos de nascença comentando uma pintura renascentista: “Olha, veja esses detalhes rococós e curvilíneas pós modernisticas”. Eles não têm a menor noção do que falam. “O capitalismo precisa de miseráveis”. Rá, isso é uma invenção de algum lunático uspiniano que não sabe o que fala. Pô, está na cara que o desemprego é algo nocivo ao mercado, qualquer idiota pode ver isso. Quanto mais pobres no mundo menos se compra, menos o dinheiro circula, menos lucro se faz. Meu Deus, isso é lógica! Agora, se os pobres trabalham, mas são pobres porque ganham pouco dinheiro, bom, esse é um problema de algumas jogadas e não do jogo em si. E são essas pequenas jogadas que deveríamos atentar e lutar.

Existe lugar para todos no capitalismo. O problema é que assim como o comunismo ele é o sistema perfeito baseado em gente imperfeita. Cobiça, ganância, desrespeito, malandragem, todas qualidades humanas que corroeram o comunismo soviético corroem também o capitalismo americano. Se a Nike manda fazer seus produtos na China já que lá a mão de obra é mais barata, a culpa é tanto da empresa quando da merda do governo Chinês que permite esse tipo de coisa. A força de combate ao capitalismo deveria ser usada contra o mal-capitalismo e posturas éticas de corporações sacanas. Mas não, ao contrário disso os comunistas filhinhos-de-papai exaltam Mao tse-tung e usam tênis da Nike.

Como brasileiro acho que temos problemas mais urgentes para resolver do que tentar mudar o jogo. A ética, por exemplo. A nossa ética é uma das coisas das mais pavorosas que existem. Somos um povo racista, mesquinho, desonesto, embusteiro e com interesses individuais acima dos coletivos. Todas as nossas esferas de poder estão corrompidas. Desmatamos, poluímos, matamos e colocamos a culpa nos americanos. Fazemos doações para pobres para receber isenção de imposto. Trocamos votos por dentadura. Não conhecemos as capitais dos Estados. Não lembramos em quem votamos nas eleições passadas. Compramos produtos piratas. Assistimos Big Brother, futebol e novela. Temos vinte filhos sem condição de criar. Enfim, somos um povo desvairado. O comunismo não sobreviveria dois dias sob nossa tutela.

Sugiro uma revolução de consciência. Uma revolta nos costumes. Uma guerra de valores. Quem sabe assim um dia possamos formar uma nação de verdade e então, sem mortos nem feridos, a gente propõe outro jogo.

Damas à la Brasiliana… que tal hein?

 Eis aqui um link interessante para entender a expansão do capitalismo e da democracia.

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QUEREMOS HERÓIS!!!

Um dos grandes problemas dos brasileiros é não ter um herói de verdade. Falta aquela imagem para nos espelharmos, poder apontar e dizer: “pó, quero ser igual esse cara”. Tudo bem que já tentamos algumas vezes. O tal do Tiradentes, por exemplo. É certo que foi um herói dos mais fakes, com aquela pose, vestimenta simples e barbona. Mas beleza, já é alguma coisa. O problema é que ele ficou velho demais; o brasileiro já tem memória curta, pra se lembrar dos feitos do barbudinho há mais de cem anos, ah parceiro, ai fica difícil.

Desafio alguém a fazer uma listinha com alguns nomes de brasileiros que deram a vida por uma causa. Uma listinha pequena, três pessoas. Três brasileiros que podemos chamar de heróis da nação. Vale lembrar que Ayrton Senna, Pelé e Ronaldinho não valem. Eles tiveram suas recompensas na Terra, comeram Galisteu, Xuxa, Cicarelli, nadaram na grana e, além de serem bons no que faziam, nada mais fizeram (no máximo uma ong ou outra pra abaterem impostos). Quero alguém que tenha mudado os rumos da humanidade, alguém que tenha feito a diferença, inventado algo grande, proposto uma nova idéia, sacudido os pilares da sociedade. O que? Santos Dumont? Humm, vá lá, pode ser. Uma pena que nosso inventor do avião ainda sofra com o benefício da dúvida devido aos irmãos Wrights. 

Mas os heróis são mais que meros inventores de avião. Os heróis são feitos para marcar o território moral de um povo, servem para levantar a nação, inspirar grandes feitos. Vejamos a França, por exemplo. Eles vão de Napoleão a Sartre passando por uma verdadeira liga da justiça à época da revolução francesa. Imagina como ficam os brios de um francês que nasce cercado por estátuas e histórias de conterrâneos que mudaram o mundo. Não é a toa que eles são metidos a beça: “Aller France, aller!”

Outros que são bem metidos são os argentinos. A gente costuma fazer piada sobre o topete dos hermanos, principalmente quando o assunto é futebol. Quem não conhece a famosa: “Maradona es el mejor del mundo e um de los mejores de Argentina”. Mas mesmo eles possuem heróis muito mais significativos que os nossos. Maradona, por exemplo, que costumamos categorizar como cheirador portenho metido a besta, é amado muito mais lá do que o Pelé jamais poderia ser no Brasil. Não cabe aqui discutir a velha pendenga de quem é melhor ou pior, o fato é que Maradona é herói e Pele não; ou você já viu alguém com uma camisa do seu Edson estampada por ai?

Fora isso, os argentinos podem se orgulhar do rosto mais estampado nas camisetas da América do Sul. Seu Ernesto Guevara, o famoso Che, o herói dos heróis, que era, para nosso desespero, argentino.

É engraçado, mas ser herói não é apenas ser bom em alguma coisa. Tem que ter aquela pecha de heróis. Não basta querer, tem que poder, entende? Um filme que retrata bem essa questão é “Circulo de Fogo”. Dizem que os feitos de Vassili, o soldado retratado no filme por Jude Law, inspirou os soldados e ajudou os soviéticos a derrotar os nazistas. Se é verdade ou não, não interessa. O fato é que se eu fosse russo poderia me orgulhar por alguns momentos durante uma breve aula de história: “Que demais esse Vassili”, sairia comentando com meus colegas, pronto para dar a vida pelo meu país caso fosse necessário.

É por essas e outras que a construção de heróis deveria fazer parte do planejamento nacional de qualquer país. Deveria existir algum ministério para identificar e perpetuar feitos nobres. Algo como: “Ministério dos Feitos Heróicos Nacionais”. Tudo bem que a pasta seria disputada por sujeitos sem a menor postura ética ou heróica, tudo bem que lobistas iriam nomear anti-heróis como heróis, tudo bem que no fundo o Ministério seria mais usado como cabide de empregos, tudo bem que as verbas… é, bom, pensando bem é melhor esquece essa história de Ministério. Mas o fato é que deveríamos aprender com os americanos. Eles são mestres em construir heróis que não existem. Superman, Homem Aranha, Rambo, Capitão América, todos são criações que fazem qualquer americano gordo flácido com colesterol alto se sentir o fodão na frente da TV. “yeh man America rocks! Fuck the rest”. A gente precisa disso, de um índio que voa, de um lampião com raio lasers, de um baiano mutante que corre na velocidade da luz, sei lá, qualquer coisa.

É por isso que eu acredito que deveríamos começar a investir na criação de heróis o mais rápido possível. Tenho certeza que algum populista vai aproveitar para dizer que herói é o povo, que trabalha e blábláblá, mas eu to falando de herói de verdade, daqueles que morrer por uma causa ou que soltam laser pelos olhos. Afinal, o Zé da esquina pode ser um verdadeiro herói. Pode acordar cedo, sustentar 15 filhos, ser honesto, trabalhador, mas meu amigo! Isso não adianta nada. Um bom herói precisa de uma boa assessoria de imprensa.

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ESMAGANDO A REALIDADE

O Rolo Compressor espreme tudo. Passa sobre fatos, idéias, ideologias, realidades, notícias. Tudo cruza pelos pesados e implacáveis cilindros do grande trator. Alguns tentam correr, desviar, recusam-se a deixar esmagar. Mas não adianta, o rolo compressor chega, ele sempre chega! Com sua calma, sem a menor pressa, pavimenta tudo.

Alguns tentam pará-lo. Mas ele não pára! Nunca parou, nem nunca vai parar. O rolo compressor é uma máquina constante, implacável, desumana, atemporal e totalmente inexplicável.

Seus imensos cilindros passam devagar sobre o futuro, esmagando tudo com calma. Ora derruba castelos, ora caminha sobre campos flácidos. Depois que passa tudo é passado. Ele coloca as coisas no seu devido lugar.

A nós, meros operários ignorantes, só resta analisar o que foi pavimentado, entender os lugares por onde passamos e tentar descobrir para onde vamos.

O Belo e robusto rolo compressor segue seu caminho. Inabalável. Sabe se lá para onde vai. Podemos fazer algumas previsões ou tentar determinadas apostas, mas nunca saberemos quem, ou o que, dirige o tal rolo compressor.

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